Ontem foi feriado no Rio de Janeiro. Com o tempo chuvoso, os shoppings da cidade lotaram. Parecia que quem não estava numa procissão em homenagem a São Jorge tinha resolvido ir ao cinema num grande centro comercial. Eu me incluo neste segundo grupo, mas acabei nem conseguindo ver um filme, de tanta gente que se embolava tentando comprar o ingresso, entrar na sala de projeção e pegar pipoca.
O remédio pra não frustrar a filha que queria MUITO ir ao cinema foi dar uma volta pelos corredores do shopping, parando aqui e ali. Um programa que passa longe de estar entre os meus favoritos, mas estoicamente sobrevivi.
Aí passei pela frente da Zara, e não resisti a entrar para dar uma olhada. Não entrava numa loja da marca desde a denúncia de trabalho escravo na cadeia de produção das roupas, no ano passado (veja o caso aqui), e fiquei curiosa em verificar se este fato teria afetado de alguma maneira a frequencia de consumidores.
A minha, pelo menos, havia afetado, ainda mais depois que a empresa só assinou um termo de ajuste de conduta com o Ministério Público do Trabalho depois de muita negociação (confira aqui). E eu achava que muitas pessoas também estavam boicotando a Zara.
Total engano. A loja estava tão cheia, mas tão lotada, que mal dava para ver as roupas expostas. Algumas prateleiras já mostravam sinais de desabastecimento. Nas ilhas centrais, pilhas de casaquinhos de cashmere em várias cores eram disputadas por mãos sedentas.
O panorama que estava diante de mim parecia inacreditavelmente, especialmente de todo o escândalo em torno da denúncia, que começou com uma reportagem do programa de televisão A Liga da Band e provocou um grande alvoroço nas redes sociais. Segundo a MITI Inteligência, que analisou os temas de mais relevância nas redes sociais em 2011, logo após a matéria, o tema entrou no Trending Topics do Twitter (assunto mais citado) e teve mais de 50 mil menções nas primeiras 24 horas, sendo nove mil só na primeira hora.
Tanto agito, porém, não se sustentou, e oito meses após a denúncia a Zara vende e fatura como nunca peças da coleção desenvolvida especialmente para o hemisfério sul (esse sim, podemos dizer que seja um efeito colateral da crise instalada com a descoberta de utilização de mão-de-obra escrava nas confecções fornecedoras da marca, já que a Zara adota um modelo global, distribuindo as mesmas peças em suas mais de cinco mil lojas no mundo, e optou por produzir roupas tropicalizadas.
O que me levou a pensar no alcance real do consumerismo. A ideia que os consumidores podem punir ou premiar as empresas éticas, responsáveis nos campos sociais e ambientais, sinceramente, não me parece tão real quanto nos artigos acadêmicos.
Muitos pesquisadores da área de consumo irão discordar de mim. Mas até hoje não vi exemplos sustentáveis (no sentido antigo do termo, ou seja, que se sustentam) de ações de boicote a produtos e empresas no BRASIL. Nem tampouco ações políticas de fato. De um modo geral, o que vemos são casos nos Estados Unidos, na Europa. Por aqui, as pressões levam as empresas a promover mudanças, muito mais preocupadas com os arranhões na sua imagem habilmente construída ao longo de anos, do que com suas práticas reais na produção e comercialização de seus bens.
Depois que passa o furacão, parece que o consumidor passa a borracha também.
Um texto interessante foi escrito por Leonardo Sakamoto, jornalista, doutor em Ciência Política, coordenador da ONG Repórter Brasil, na época da denúncia (clique para ler). Ele se pergunta se saber a origem das coisas muda os hábitos de consumo. Ainda não sei a resposta. Mas estou longe do romantismo idealista de quem credita ao consumerismo um papel que ele não desempenha entre nós.
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