domingo, 24 de junho de 2012

A onipresença do plástico

E a Rio+20 acabou. Não vou fazer um post comentando como o documento final ficou aquém das expectativas de todos, nem tampouco como  a diplomacia brasileira agiu de maneira meio açodada e focou muito mais em cumprir a tarefa de produzir um texto do que em conduzir negociações que resultassem em compromissos mais efetivos. Isso seria chover no molhado: todos os veículos de comunicação, dos jornalões aos blogs, de todas as tendências políticas e ideológicas, já comentaram estes aspectos.

O que eu quero  comentar é um ponto que me causou um tremendo incômodo: em praticamente todas as fotos de mesas da conferência, lá estava ela, a indefectível, a onipresente garrafinha de água mineral.


Secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon
   
Secretário geral da Rio+20 Sha-Zukang

Ministro das Relações Internacionais, Alexandre Patriota,
 e Ministra do Meio Ambiente, Izabela Teixeira 
Em um evento que discute o uso dos recursos naturais, o impacto da ação do homem sobre o meio ambiente, não é possível que continuem circulando garrafas pet, ostensivamente, em primeiro plano, em quase todas as fotos. E aqui, obviamente, a questão não é as garrafas aparecerem nas fotos, mas estarem presentes nos eventos. Colhi rapidamente no Google algumas imagens (desculpem, fotógrafos, não consegui encontrar o crédito das fotografias) que exemplificam minha crítica.


Luiz Alberto Figueiredo Machado, Negociador Chefe
 Brasileiro na Rio + 20, foto de Maria Elisa Franco. 


Claro que todos os participantes da conferência precisavam beber água. Mas precisava ser de garrafa PET? Por que não distribuir, juntamente com as ecobags, no momento do credenciamento dos delegados, um copo de uso individual e permanente, que não fosse virar lixo imediatamente após seu uso? Campeonatos de surf no mundo inteiro adotam esta prática. Como não se pensou em nada semelhante na Rio+20?
(Em algumas reuniões, se podia vislumbrar garrafas de vidro ou jarras de água, como na abertura oficial da conferência. O que impediu que esta prática fosse geral no evento? )
Claro que se pode contra-argumentar que seria muito deselegante cada membro das delegações com seu copinho na mão. Depende do ponto de vista e do que se considera elegância. Não é muito mais deselegante uma garrafa PET de água mineral, com tudo o que ela representa em termos de agressão ao meio ambiente, excesso de consumo, complexidade de tratamento dos resíduos sólidos produzidos pela ação do homem, mercantilização da água, um bem que deve ser comum a todos e vem se tornando uma mercadoria de alto valor internacional, etc, etc, etc?
Toda esta situação nos pontua o quanto a questão da sustentabilidade envolve, também, a mudança de comportamentos e prática culturais. Comportamentos que sem dúvida foram aprendidos ao longo do tempo - só pra ficar num exemplo, quando a ONU foi criada não se servia água em garrafas pet nas reuniões e assembleias... - e que parecem estar profundamente arraigados em nosso cotidiano, seja porque nos trouxeram comodidade, praticidade ou até mesmo por terem barateado o acesso da população a alguns produtos.
Sempre defendo que a sustentabilidade não pode ser uma tarefa jogada no colo do indivíduo, pois o consumo (ou o não-consumo) são apenas a ponta do processo que começa com o uso da matéria-prima e passa essencialmente pela produção. Não estou, portanto, me contradizendo, mas apenas mostrando como, quando precisamos pensar coletivamente, a questão comportamental parece escoar pelo ralo. Ou ficar retida na tampinha da garrafa de plástico. Será que a organização da Rio+20 dirá à sociedade quantas garrafas PET foram utilizadas durante a conferência? E qual o destino dos frascos depois da sua utilização?
Terão sido todos doados para a instalação feita durante a Rio +20 pelo artista Vik Muniz, curiosamente patrocinado por uma das empresas que mais produz resíduos em forma de PET?
Reciclar é a fase final da sequência de atividades recomendadas quando utilizamos objetos, de maneira a reduzir seu impacto no meio ambiente. A sequência inicia com reduzir, segue com reutilização e fecha com a reciclagem. 
Curiosamente, quando damos tanta visibilidade à reciclagem, me soa como se nos sentíssemos desobrigados de cumprir as etapas anteriores, que provavelmente são aquelas que provocam a maior mudança tanto de mentalidade quanto de hábitos. Infelizmente, pelo que as fotos nos mostram, esta dificuldade também esteve presente na Rio+20.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Mercado de crédito de carbono é 3 mil vezes maior que fundos públicos de desenvolvimento sustentável

Enquanto a criação de um fundo global para o desenvolvimento sustentável continua sendo um ponto não equacionado entre os negociadores do Rascunho Zero, texto que será entregue no dia 20 aos chefes de Estado presentes na Rio +20, o mercado de crédito de carbono funciona a todo vapor.  Segundo um levantamento da ONG Transparency International, em 2010, os fundos públicos mundiais destinaram cerca de US$ 5 bilhões para projetos de mitigação ou adaptação de impactos das mudanças climáticas. No mesmo período, o mercado de crédito de carbono movimentou US$ 142 bilhões, uma diferença de quase 3.000%.

A diferença entre os dois valores nos mostra um aspecto pouco comentado pela mídia: os governos não investem em projetos voltados para o desenvolvimento sustentável (ou o fazem de forma muito incipiente), mas o mercado já encontrou uma forma de negociar (e lucrar) com a sustentabilidade. 

Os dados foram apresentados hoje, dia 18, no 1º Seminário de Monitoramento do Financiamento Climático, promovido pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) , em conjunto com a Transparency International e com o apoio da ESPM/RJ. O evento, que compõe a agenda paralela da Rio+20, contou com a presença de Bruno Andrade, coordenador do Programa para a Integridade em Governança Climática e projetos da Transparencia Mexicana (ligada à Transparency International) e da economista Amyra El Khalili, veterana do mercado de futuro e de capitais. 


O objetivo do seminário foi incentivar jornalistas a ir além da superfície e acompanhar com mais atenção um campo que vem crescendo, o do financiamento climático, principalmente o relacionamento com os créditos de carbono. Um tipo de investimento apontado por muitos como a comercialização do direito de poluir.


Em tempos de Rio+20, muito mais que esgotar a pauta do dia, acompanhar as discussões, noticiar as marchas nossas de cada dia - mulheres seminuas, índios, estudantes, ambientalistas - aos jornalistas compete  aprofundar o questionamento: fazer perguntas e não se conformar com as respostas apressadas e simplistas. 


terça-feira, 12 de junho de 2012

Viciados em eventos

A um dia da abertura da Rio +20, é impossível ficar "imune" ao evento: qualquer veículo de comunicação dedica no mínimo uma matéria, uma chamada, uma nota, uma reportagenzinha que seja à reunião da Conferência

Outro dia, falando num encontro promovido pela Escola de Comunicação e pelo Instituto de Psicologia da UFRJ, comentei que a cobertura jornalística sobre a sustentabilidade caminha em ondas - sobe aos poucos, atinge um ápice e depois declina, retrocedendo até que se forme nova onda. Uma destas ondas, especialmente no Brasil, teve como crista a ECO 92, realizada no Rio de Janeiro, que motivou um sem-fim de reportagens jornalísticas sobre o assunto.

No encontro, também levantei que a cobertura jornalística parece estar refém do jornalismo de celebridades, chamado por alguns de jornalismo rosa. Estamos viciados em cobrir eventos e famosos. De repente, parece ser muito mais importante comentar quem veio, quem não virá, quantos participaram, como foi feita a tenda onde acontece o TEDx Rio+20 (acompanhe aqui), do que apontar questões mais fundas. Aprofundar a cobertura implica em conhecer melhor o tema, confrontar versões, fazer apurações mais sofisticadas e detalhadas, buscar conexões entre  política, economia, sociedade, cultura. Mas por enquanto não consigo ver nenhuma diferença, nos grandes veículos, entre a cobertura da Rio +20 ou outra cobertura de um grande evento de relevância nacional ou internacional. Como uma Copa do Mundo, Olimpíadas....

Um claro exemplo é o relatório Panorama Ambiental Global, o GEO-5, divulgado no dia 6 de junho pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Embora tenha até sido noticiado por vários jornais, seu conteúdo foi pouco explorado, apesar do  grande gancho jornalístico que temos pela frente.

O relatório aponta que apenas quatro dos 90 objetivos ambientais mais importantes acordados internacionalmente nos últimos 40 anos tiveram avanços significativos. Oito objetivos tiveram retrocesso, 40 registraram poucos avanços e 24 praticamente não apresentaram nenhum progresso, além de 14 que não tiveram dados mensuráveis. (Leia mais nesta reportagem do Jornal da Ciência)

Não seria o caso de nossa imprensa trabalhar estes números e confrontá-los com o que se espera da Rio+20? Produzir matérias que mostrem os objetivos alcançados, explorem os motivos do retrocesso de oito destes objetivos? Apurar as condições de assinatura destes acordos e suas variações políticas?

O jornalismo rosa não pode contaminar o jornalismo "verde" - por mais que desgoste desta expressão. Apurar, aprofundar, questionar precisam continuar a ser bandeiras fundamentais para o jornalismo. Seja de cor ele seja!


quarta-feira, 6 de junho de 2012

90% das empresas não incluem sustentabilidade em suas estratégias

Por mais que sejamos bombardeados pela expressão sustentabilidade, produtos verdes, consumo sustentável, etc, etc, etc, surpreendentemente apenas 10% das empresas do mundo estão engajadas e trazendo para a sua agenda de negócios o tema da sustentabilidade. A declaração foi dada hoje, na CBN, pela secretária executiva da Global Compact no Brasil, Yolanda Cerqueira Leite. (Ouça aqui a íntegra da entrevista). A Global Compact é uma iniciativa para empresas que estão comprometidas em alinhar suas operações e estratégias com dez princípios universalmente aceitos nas áreas de direitos humanos, trabalho, meio ambiente e combate à corrupção. (Veja site em inglês e em português).

O curioso é que como pesquisadora da área, observo uma crescente valorização dos atributos VERDE, SUSTENTÁVEL, ECOLÓGICO, LIVRE DE CARBONO (CARBON FREE) na comunicação corporativa, seja ela de produtos ou institucional. Supermercados são bons exemplos do crescimento desta presença de novos valores vinculados à sustentabilidade, desde a questão das sacolinhas plásticas passando pelos orgânicos, produtos de limpeza e até instalações. Ao mesmo tempo, noto um aumento da pressão por parte de algumas corporações para a adoção da sustentabilidade como um valor fundamental para os negócios. Mas pela entrevista da secretária executiva da Global Compact, esta realidade atinge uma pequena parcela do mundo empresarial. Não vou questionar aspectos como os que Yolanda Leite aponta: se não houver uma preocupação com o uso dos recursos naturais, no futuro não haverá negócios (e nem empresas). O que me chamou a atenção na notícia foi constatar que todo o com o esforço de construção de identidade através da incorporação de atributos verdes no fundo a maioria das empresas parece estar embarcando nesta "nova onda" e se limitando a praticar greenwashing.

A propósito: ontem foi o Dia Mundial do Meio Ambiente. O Governo Federal lançou um pacote verde, que, entre outras medidas, cria duas unidades de conservação, uma no Paraná, para proteção da mata atlântica, e outra no Rio Grande do Norte, para preservação da caatinga e de cavidades naturais subterrâneas.  Há ainda um decreto estabelecendo diretrizes de desenvolvimento sustentável nas contratações e compras efetuadas pelos órgãos da administração federal. Muitos estão reclamando que o pacote foi tímido e de pouco alcance. Hoje as compras do governo equivalem a cerca de 16% do Produto Interno Bruto. Em 2010, este valor chegou a quase R$ 70 bilhões. Se de fato as diretrizes sustentáveis forem seguidas pelo Executivo Federal, podemos ver uma transformação de grande impacto.  A conferir.